4 de junho é o Dia Internacional das Crianças Inocentes Vítimas de Agressão, uma data de protesto, luto e reflexão sobre as crianças que sofrem diariamente violência física e psicológica no mundo inteiro. Para ressaltar a importância desse dia, a psicóloga Eliza Macedo concedeu uma entrevista à redação do Jornal Folha do Sudeste em que debate a necessidade de proteção e educação infantil e reforça a importância da garantia de um ambiente seguro para as crianças.

 

JFdS: Quais consequências uma criança que sofreu violência doméstica pode ter futuramente?

EM: Antes de responder à pergunta, vale ressaltar que violência doméstica contra a criança é aquela praticada por pais, parentes ou responsáveis pela criança; causa danos de natureza física, psicológica, sexual à vítima. A violência física vai desde um tapa até o espancamento; a violência psicológica acontece através de humilhações, rejeições, insultos; o adulto impede a criança de se relacionar com outras pessoas, aterroriza; não elogia e não estimula o seu potencial de desenvolvimento. A violência sexual é o ato ou o jogo sexual envolvendo o parente de sangue ou responsável, com a criança; a violência fatal são atos ou omissões praticados contra a criança que podem levá-la à morte. Existe também a negligência, quando pais, parentes ou responsáveis, não provém necessidades básicas, físicas e emocionais de uma criança; deixam a criança sem se alimentar, sem cuidados de higiene, além de deixa-la em casa sozinha por dias, podendo a criança falecer devido a acidentes domésticos ou falta de alimentação. Esses são alguns dos muitos maus-tratos notificados.

Toda essa violência traz consequências físicas, sociais, comportamentais, emocionais e cognitivas. Podemos destacar os problemas de saúde, marcas físicas com relação à espancamentos, fraturas, traumatismos, cortes, queimaduras. Consequências na infância e na idade adulta, como problemas de aprendizagem, de desenvolvimento intelectual, atrasos na escola, distúrbios psicossomáticos, ansiedade, depressão, dificuldades de se relacionar, comportamento agressivo, isolamento social, insegurança, timidez, distúrbios do sono, do apetite, baixa estima; tendências à desvalorização, ao suicídio e ao uso de álcool, fumo e drogas ilícitas. Contribui para o baixo desempenho no trabalho e para gerar problemas de violência em relacionamentos futuros (se tornando também agressor). Crianças que sofreram violência doméstica podem não confiar mais nas pessoas e não ser bem sucedidas na vida.

A forma como as consequências da violência vão afetar a vida das vítimas depende de como a criança conseguirá superar o acontecido (resiliência), das condições de restabelecimento, da duração e grau do abuso, do relacionamento com o agressor e do acompanhamento psicológico e social que ela terá.

 

JFdS: Como os psicólogos procuram identificar a partir do depoimento, do comportamento e de evidências físicas de uma criança, se ela fantasia certas situações, ou se realmente estão lidando com um caso de violência doméstica? Ou até mesmo quando os próprios pais e/ou cuidadores são os agressores, mas estão ocultando informações?

EM: A constatação da violência doméstica contra a criança pode ser feita através de exames físicos em avaliação médica e um exame psicológico, considerando o relato da vítima. Ainda que exista a ausência de sinais e sintomas psicológicos, isso não quer dizer que a criança não tenha sofrido a violência.

O psicólogo irá fazer a avaliação do relato da criança. Para isso, utiliza de técnicas para obter o relato de acordo com critérios rigorosos, éticos, técnicos e científicos, como por exemplo, a recordação e a fala livre e não perguntas fechadas. Ou seja, ouvir a criança, sem fazer muitas perguntas que possam sugestionar algo à ela, de modo que se possa avaliar o depoimento com maior precisão e confiabilidade. As entrevistas cognitiva e estruturada são entrevistas investigativas que são usadas nestes casos e apresentam maior validade científica.

Os pais também são ouvidos e passam por avaliação com psicólogo e assistente social. Vale destacar que para se constatar a violência e a ocultação de informações, deve-se considerar a avaliação de profissional qualificado. Todas as informações e denúncias devem ser investigadas.

 

JFdS: Qual você considera ser o maior desafio no combate à violência doméstica contra crianças?

EM: Acredito que não exista um único ou maior desafio no combate à violência doméstica contra a criança. É uma soma de fatores. Podemos iniciar com a falta de notificação desses casos aos órgãos competentes. A maioria das notificações chega somente quando a situação já está crítica ou quando acontece uma fatalidade. As estimativas desse tipo de violência doméstica, muitas vezes, se referem somente aos casos mais visíveis e graves acontecidos; dizem respeito mais à incidência do que a prevalência. Isso dificulta as intervenções necessárias ao combate da violência. As denúncias ainda acontecem em um número bem menor do que ocorrem os maus-tratos, seja por medo, vergonha ou dúvida que as vítimas têm, ou ainda, porque muitas pessoas não querem “se envolver no problema do outro”, ou “se indispor” com o agressor.

Do mesmo modo que a comunidade acaba não denunciando pelos motivos citados, muitos profissionais de saúde também se omitem; muitos não notificam ou por medo de retaliações ou por falta de preparo na detecção dos casos de violência e, posteriormente, por não saber a qual setor recorrer.

O combate vem crescendo; campanhas são realizadas a todo momento e as pessoas estão se conscientizando e denunciando. Mas os desafios ainda são muitos. As pessoas precisam entender que violência não educa, não ensina. É inaceitável maltratar uma criança sob a justificativa do ensino rígido, punitivo, que fará com que ela seja um adulto melhor. Pelo contrário, a violência acarreta problemas na infância e na idade adulta. Educar é zelar pela criança, proteger, conversar, colocar limites de forma adequada, propiciar um ambiente onde ela possa se desenvolver e crescer com carinho, respeito e dignidade.

 

JFdS: Quais são as medidas a serem tomadas por aqueles que desejam denunciar um caso de violência doméstica infantil?

EM: As vítimas e também as pessoas que desejarem fazer a denúncia podem procurar o Conselho Tutelar de sua cidade ou o Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS.

O Conselho Tutelar zela pelos direitos das crianças e dos adolescentes, acompanhando os menores em situação de risco, oferecendo orientação, apoio e promoção social da família. Os conselheiros avaliam a situação e decidem em conjunto qual medida de proteção é mais adequada para cada caso. Atua em conjunto com o Ministério Público.

Qualquer pessoa pode acionar o conselho tutelar e fazer uma denúncia anônima. As escolas, organizações sociais e serviços públicos também devem notificar os casos de maus-tratos envolvendo crianças e adolescentes.

O CREAS oferece serviços especializados e continuados com ações de orientação, proteção e acompanhamento psicossocial individualizado e sistemático a crianças, adolescentes e suas famílias em situação de risco ou violação de direitos e a adolescentes autores de ato infracional.

Existe a opção de denúncia também através do Disque 100, que é o canal de comunicação do Departamento de Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos. As denúncias poderão ser anônimas ou ainda, o denunciante pode se identificar e pedir o sigilo de suas informações.

 

 

 

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