O jornal Folha do Sudeste, através da diretora Lúcia Helena Brambila, teve a honra de entrevistar, um dos grandes nomes do esporte brasileiro, o renomado Waldemar Montezano, muito conhecido em Muriaé onde viveu por muitos anos e permanece atualmente. Reconhecido por seu carisma, simpatia, disciplina e muito conhecimento nas áreas em que atuou, ele falou um pouco sobre sua história de vida.

JFdS: Fale um pouco sobre onde e quando nasceu.

W.M: Nasci na Fazenda da Água Limpa, região de Vieiras, município que na época pertencia a Miradouro, em 13/10/1938, então estou com 78 para 79 anos. Lá fui registrado, então sou miradourense, mas sou também muriaeense porque recebi a Comenda de Cidadão Honorário, indicação do então vereador Rodrigo Guarçoni na época, motivo de muita honra e alegria. Na verdade morei mais em Muriaé do que fora daqui.

JFdS: Fale sobre seus pais, irmãos, esposa, filhos, netos e bisnetos.

W.M: Meu pai se chamava Vicente Montezano Filho e minha mãe Eliziária Maria Montezano. Tenho 4 filhos: a mais velha é Elizabeth e o Cléber, que moram em São José dos Campos SP. Quando eu estava lá, eles trabalhavam e estudavam, então ficaram por lá. Para Muriaé vieram o Fábio e o Vicente Montezano Neto. Tenho 11 irmãos, sendo 8 homens e 3 mulheres, além de 7 netos e 7 bisnetos.

JFdS: Fale um pouco sobre as origens da família Montezano e sua tradição.

W.M: É uma das famílias mais tradicionais em Muriaé e região. Meu avô, Vicente Montezano, veio da Itália ainda novo, rapaz, e com muito trabalho e luta, foi vencendo na vida e se organizando. A Casa Montezano, na Rua Getúlio Vargas, acabou sendo dividida, mas era uma das mais antigas em Muriaé. Tinha material de construção, ferramentas, etc., sendo bem conceituada. Tem uma história de que ela nunca tinha sido fiscalizada, porque o Estado nunca encontrou um erro nas contas deles, tudo muito correto. Quando eu era garoto, meu pai mandou eu estudar na casa do meu avô, estudei com a Dona Julieta, professora famosa aqui, ele morava ali perto, então fiquei em frente a casa durante algum tempo. Meu avô se estabeleceu depois em Miradouro, de lá comprou uma Fazenda perto de Vieiras, antiga Babilônia, depois ela ficou para o meu pai e meu tio, porque eram só 2 irmãos. Minha família eu iniciei no Rio de Janeiro, fui muito cedo e vivi muitos anos lá, onde encontrei minha grande companheira Marly, amazonense, de Manaus, com a qual vou fazer 50 anos de casado. Foi um feliz encontro e até hoje convivemos maravilhosamente bem. 

JFdS: Fale um pouco sobre sua formação educacional e experiência profissional.

W.M: Fui muito feliz na minha profissão. Nasci na roça, acostumei sair de madrugada para buscar vaca no pasto, correr atrás de cavalo, e de repente me vi viajando mundo afora. As oportunidades que tive, procurei aproveitar bem. Estudei na universidade na Alemanha, a mando do MEC. Tenho certeza de que cumpri minha etapa de trabalho, minha função com sucesso. Saí muito cedo, mas já tinha feito um cursinho de piloto e minha intenção era ser aviador. Veio um piloto profissional dar instrução aqui e eu com 17 anos voei sozinho pela primeira vez. Tenho até hoje o retrato do banho de óleo que tomei na época. Rodamos a cidade toda na frente de uma caminhonete, pretinho de óleo queimado, conforme tradição dos pilotos. Quando saí daqui, tinha a intenção de ser piloto comercial. Mas pelas dificuldades, inclusive falta de dinheiro, para me manter no Rio de Janeiro, acabei desistindo. Tinha que servir e fui na Brigada Paraquedista. Até hoje guardo uma grande experiência e aprendizado. Lá encontrei o esporte, o paraquedismo, do qual não sabia nada. De repente fui assistir uma competição do 1º Exército, no Campo dos Afonsos RJ, e casualmente entrei na prova dos 400m. Já tinha aqueles atletas campeões, todos bem treinados, e eu pedi ao sargento que estava controlando para correr junto. Primeiro ele disse pra eu sair fora, depois me chamou porque estava sobrando uma raia, porque eram 6 finalistas e 7 raias. Eu nem sabia o que era raia (risos), mas queria correr. Os atletas saíam de blocos, com calçado próprio, e eu com tênis velho, não sabia largar como os outros, então saí de pé. Quando deu o tiro de partida, eu dei tudo que tinha. Foi a primeira vez que eu tinha visto uma prova de corrida, de atletismo, na minha vida. E consegui ganhar, chegando uns 8m na frente dos favoritos. Ninguém acreditou no que estava vendo, foi aquela correria doida (risos). Tinha um treinador que estava observando se tinha algum talento. Ele foi correndo, me pegou pelo braço e me levou pro Botafogo, onde comecei a treinar. No ano seguinte, eu já estava na Seleção Brasileira e fiz minha primeira viagem internacional, nos Jogos Íbero Americanos em Madrid (ESP). Lá não fui tão bem porque era marinheiro de primeira viagem, mas foi razoável. A festa de encerramento dos jogos foi realizada numa fazenda a 30km de Madrid. Lá eles fizeram uma tourada, com novilhos de mais ou menos 10 arrobas, para as delegações. Eu falei para eles que na fazenda do meu pai eu montava, pegava na mão. Quando meu pai saía de casa, nossa farra era amolar boi no curral e fazer tourada. Eles disseram: então entra lá e pediram ao dono da fazenda. Eu entrei e toureei 4 novilhos. Saiu aqui no Brasil, em fotografia grande no jornal O Globo: Brasileiro toureando em Madrid. Daí você vê, as coisas vão acontecendo na vida da gente. A partir daí, fiz outras viagens, fui campeão brasileiro, sul-americano nas provas de 200 e 400m, depois me formei em Educação Física e comecei como treinador, responsável por várias equipes, com sucesso. A primeira foi a do Exército. Os atletas alojaram na Brigada Paraquedista, onde eu servia e lá eu treinei muitos de renome internacional, como João do Pulo (bateu recorde mundial do salto triplo com 17,89m), Rui da Silva (foi 4º lugar na Olimpíada de Montreal (CAN), 8º nas Olimpíadas), então foram muitos com os quais cheguei nas Olimpíadas. Treinei também no Atletismo a equipe do Vasco da Gama, de 9 a 10 anos. Lá fomos campeões do Troféu Brasil várias vezes, batemos muitos recordes Sul-americanos e muitos atletas serviram a seleção brasileira, alguns sobressaíram internacionalmente. Treinei também uma equipe do Colégio Militar de Belo Horizonte, com esses atletas jovens batendo todos os recordes mineiros em quase todas as provas de Atletismo do Campeonato Mineiro Juvenil. Depois fui treinar a Marinha, onde entrei para o Magistério, onde também tive muito sucesso: recorde Sul-americano (como salto em altura, 2,21m, até hoje 2º ou 3º lugar de todos os tempos), atleta nas Olimpíadas. A primeira vez que um atleta de Atletismo da Marinha foi nas Olimpíadas, foi quando eu estive lá. Treinei a Seleção Brasileira em todos os níveis: menores (até 16 anos), juvenil (até 18 anos), adultos e Forças Armadas, onde foram 8 Campeonatos Mundiais Militares, incluindo Atletismo e Cross Country. Fui também bi-campeão brasileiro de Hipismo Rural. Fui num Campeonato Mundial Militar em Portugual e lá o chefe da Delegação Portuguesa era também o comandante da Escola de Equitação de Mafra, uma das mais antigas da Europa. Sempre falando que eu criava cavalos, ele me convidou para desligar da Delegação e fazer um estágio com ele na Escola de Mafra, o que eu queria demais e foi muito bom. Lá tinha um Major que era instrutor da IPCA de Lisboa, que também me convidou para ficar uns dias lá. Fiquei montando naqueles cavalos que fazem aquelas evoluções e foi uma oportunidade muito boa. Quando voltei, passei a dar curso de Equitação aqui, inclusive para crianças. Já trabalhei com quase 30 meninos à cavalo, tipo exército, só sinais, e eles todos obedientes e desse grupo nós montamos uma equipe de Hipismo Rural, competindo no Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Brasília e foi nessas que eu saí bi-campeão brasileiro de Hipismo Rural. 

JFdS: Fale um pouco sobre os cargos sociais que você exerceu.

W.M: Em Muriaé eu já tinha um trabalho com os cavalos, que gosto muito. Assim que pude, comprei uma propriedade rural. Fui presidente do Clube do Cavalo de Minas Gerais, instalado aqui em Muriaé no recinto da Exposição. Entrei também para o Lions Clube, passando por todas as suas funções, desde diretoria até vice-governador e governador. Me dediquei uns 4 anos integralmente ao Lions, no pensamento de ajudar as pessoas. Fizemos curso nos EUA, onde é a sede do Lions Internacional. Foi uma oportunidade e experiência muito grande de relacionar com pessoas do Distrito todo. O Distrito ao qual o Lions pertence é o maior do mundo. Começa na Bahia e vai até o Sul de Minas.  Quando fui governador visitei mais de 80 clubes. Ainda mantenho contato e trabalho junto ao Lions, o que me deixa feliz. 

JFdS: Fale um pouco sobre sua experiência na área esportiva.

W.M: Em Muriaé me chamaram pra treinar o time do Porto, depois que voltei aposentado pra cá. Treinei o time na primeira vez que Muriaé participou da Taça Rio. Fomos muito bem, ganhamos o Campeonato Regional Sub 17. Depois treinei outro Sub 17 no Nacional, também ficamos em 4º lugar na Taça Rio. Depois treinei na 2ª Divisão, vencendo todos os jogos da Primeira Fase do campeonato. Mas, dadas questões políticas, e de interferência, deixei assim que terminou a fase, mas a equipe tinha vencido todos os jogos. Deixei bem encaminhado. 

JFdS: Quais os maiores desafios e dificuldades o você teve ao longo da vida? E as conquistas que julga como maiores?

W.M: Todos temos capacidade para superar as dificuldades. Temos que saber ‘Qual é o problema’, ‘Como resolver’ e ‘Encontrar 3 formas de resolvê-los, seguindo uma delas com firmeza e segurança’. Tive certas dificuldades com alguns dirigentes, porque nunca aceitei deixar de fazer a coisa certa, principalmente quando isso prejudicaria alguém. Deixei de participar de Olimpíadas, porque não aceitei algumas maneiras dos dirigentes conduzirem. Eu tinha, por exemplo, atleta que já tinha índice para as Olimpíadas e o pessoal de São Paulo queria fazer uma trama para tirar ele e colocar alguém de lá. Eu nunca fiz política de bastidores. O que tive de sucesso até hoje foi somente pelo trabalho, nunca aceitei politicagem ou puxar saco de alguém. Fico feliz de ter agido dessa maneira, mesmo me prejudicando algumas vezes, mas sempre estive ao lado dos meus atletas. Por isso, até hoje tenho atletas que me têm como pai. Sempre procurei, dadas as minhas dificuldades de vida, encaminhá-los, conseguir bolsa de estudos, até na faculdade. Fico muito feliz de ter feito isso, porque hoje vejo o resultado com eles. 

JFdS: Quais metas você traçou que ainda faltam para concretizar?

W.M: O conhecimento é um bem que ninguém te rouba, então, às vezes, fico pensando… até pouco tempo fiquei em São José dos Campos, para trabalhar para as Olimpíadas. Voltei ano passado. Fiquei lá 5 anos, mas infelizmente as questões políticas mudaram os interesses pelo desenvolvimento do esporte. Eu e meus atletas já estávamos inscritos nas Olimpíadas, na faixa larga, e eu tinha a esperança de ir como treinador. Infelizmente cortaram as bolsas dos atletas, alimentação… Eu tentei ainda, mas por fim estava levando os atletas para a competição no meu carro e fazendo as despesas deles. Aí não deu, voltei para Muriaé. Trabalhei em várias Olimpíadas e no Brasil eu esperava chegar como treinador, então esses fatos aconteceram.

JFdS: Comente sobre algum fato engraçado que você se lembra e ficou marcado em sua memória.

W.M: Montei em touro na África e em Madrid, como já tinha dito. Fizemos uma competição, fomos para a Europa, depois para a África, para competir em Angola, Moçambique e depois Lourenço Marques, uma parte Ocidental do Continente. Eram prêmios para ficar 10 segundos em cima do touro. Outra coisa que me deixou marcado foi que eu fui para os jogos como treinador da Seleção Juvenil dos Jogos Pan-Americanos no Canadá. Na volta, paramos nos EUA para fazer baldeação, e, de repente, escutamos aquele barulho de sirene. Um atleta do meu grupo tocou o alarme. Tive que tirara-lo, pois se achassem ele, iriam prendê-lo. Depois que passa, é muito engraçado, mas na hora a gente passa muito aperto. Nessa delegação estava Joaquim Cruz. Ele foi convidado para ir para os EUA, lá treinou e mora lá. Muitos atletas importantes passaram por minha mão. Estou com quase 80 anos e já tive tempos difíceis. Trabalhava em Belo Horizonte, tive que voltar para o Rio de Janeiro. Professor do Estado, tive que assumir o Magistério. Fui para a Alemanha e nessa época era até difícil telefonar. Quando voltei, dei cursos em vários lugares de São Paulo, no Nordeste, fiz um trabalho muito bom e interessante. Fiz uma apostila com tudo que passei para os professores que foram. Depois o MEC publicou, mas na verdade quem montou o caderno foi eu. Foi muito interessante, porque foi gravado tudo que fizemos. É o conhecimento. Não fiz Mestrado e nem Doutorado porque não queria ser professor e sim treinador.

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